RELATÓRIO DO IPCC COMPROVA:
O
AQUECIMENTO GLOBAL JÁ ESTÁ AQUI
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Mudanças
climáticas estão mais rápidas, generalizadas e se intensificando;
já
não resta dúvida de que influência humana é fator determinante,
o
que aumenta pressão sobre COP-26
9
de agosto de 2021, 11:23
Giovana
Girardi
Sem
ação humana, chance de ocorrência de eventos extremos observados na
última
década seria de 0 a 5%, aponta IPCC. Um dos autores do relatório,
Paulo
Artaxo pontua: já passamos de 1,5 grau em áreas habitadas
Concentração
de gases estufa em 2019 é a maior em 2 milhões de anos
Neste
fim de semana, enquanto ocorriam as últimas competições da
Olimpíada
de Tóquio sob um calor que derrubou vários atletas da maratona
– inclusive dois brasileiros –, moradores de
ilhas da Grécia eram retirados
de
suas terras às pressas, fugindo de incêndios florestais que tomavam a
região
há mais de dez dias. Um vídeo desesperador mostra o momento
em
que centenas de moradores de Evia, dentro de um ferryboat,
se
veem cercados por fogo de todos os lados.
Não
são eventos isolados. Diversos países do hemisfério norte estão
sendo
particularmente castigados neste verão. Começou com uma forte
onda
de calor na América do Norte, em especial no oeste do Canadá,
onde
a temperatura bateu 49ºC e uma centena de pessoas morreu.
Mais
duas centenas de mortes ocorreriam logo depois na Alemanha,
na
Bélgica e na Holanda em decorrência de enchentes que devastaram
diversas
cidades. Na sequência, a província chinesa de Henan
foi
atingida, em apenas três dias, por uma quantidade de
chuva
que normalmente cairia ao longo de quase um ano.
Aqui
no Brasil, no hemisfério sul, vivemos a maior crise hídrica
do
registro histórico.
Prefeitura
de Tóquio
As
olimpíadas em Tóquio foram marcadas pelas altas
Temperaturas
Para
não deixar dúvidas sobre o que está provocando tanto
estrago,
o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudanças
Climáticas), lançado nesta segunda-feira (09/08),
bate
o martelo: as mudanças climáticas já estão entre nós,
ocorrendo
de modo rápido, generalizado e estão se intensificando.
Elas
não têm precedentes em milhares de anos e, em alguns casos,
já
podem ser irreversíveis.
“A
influência humana aqueceu o clima a uma taxa que não tem
precedentes
pelo menos nos últimos 2 mil anos”, alertam os
cientistas
no sumário. A temperatura da superfície global aumentou
mais
rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período
de
50 anos, pelo menos nos últimos 2 mil anos.
A
temperatura do planeta hoje é cerca de 1,09ºC maior que a
observada
no período de 1850 a 1900. Pela primeira vez o IPCC
quanto
desse aquecimento é culpa humana, e conclui que é
assustadora
a maior parte – 1,07ºC.
E
isso é a temperatura média. Se olharmos só para os continentes
–
sem os oceanos, que regulam melhor a absorção de calor e são,
portanto,
mais frios – a temperatura já está 1,59ºC mais alta que no
período
pré-industrial. “Onde a população está, passamos
de
1,5ºC. Não é mais a história de quando vamos chegar lá.
Já
chegamos”, frisa o físico Paulo Artaxo, da USP, um dos
do
relatório.
Ou
seja, em terra, o aquecimento já superou o estabelecido
pelo
Acordo de Paris – que define esforços mundiais para
combater
o problema – como o limite de aumento
de
temperatura que deveria ser tolerado até o fim do século.
É
inequívoco, aponta o sumário para tomadores de decisão
(parte
mais palatável do relatório, voltada para os governantes),
que
atividades humanas – em especial as que provocam emissões
dos
chamados gases de efeito estufa, como o CO2 (gás carbônico)
e
o metano – estão causando essas mudanças. A influência humana,
reforça
os cientistas, torna eventos extremos, como ondas de calor,
chuvas
fortes, ciclones tropicais e secas, mais frequentes e severos.
Essas
são as principais mensagens do compilado de mais de 3 mil
páginas
que analisa milhares de pesquisas produzidas sobre o tema
e
aponta, com base no melhor conhecimento que existe, o que se sabe
sobre
as causas das mudanças climáticas, seus impactos e riscos futuros.
Mais
dois documentos serão lançados no ano que vem com sugestões
de
medidas de mitigação e adaptação.
Relatórios
anteriores do IPCC (principalmente o 5º, publicado entre
2013
e 2014, e o 4º, de 2007) já traziam alertas parecidos, mas o novo
calhamaço
aumenta o senso de urgência, assim como o grau de atribuição
das
mudanças que estão sendo observadas global e regionalmente
às
influências humanas.
Ministério
do Interior da Alemanha/BMI
Chuvas
intensas causaram enchentes na Alemanha
Aqui
e agora
Os
eventos extremos listados no começo deste texto não chegaram
a
passar pelo escrutínio do painel científico – que avaliou estudos
publicados
até janeiro deste ano –, mas são exemplos da nova condição
que
se estabeleceu no planeta e que tende a ficar cada vez mais comum.
“A
cada relatório temos dados melhores, modelagens mais robustas
e
a linguagem fica mais clara. Agora a interferência foi considerada
inquestionável,
não se discute mais”, resume a pesquisadora
brasileira
Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe)
e vice-presidente do IPCC.
O
trabalho inova ao quantificar essa atribuição do papel humano
nas
mudanças já observadas e nas que estão por vir. Eventos de
temperaturas
extremas no continente que antes ocorriam uma vez
a
cada dez anos, em média, com o aquecimento atual já ocorrem
provavelmente
2,8 vezes. Situações de ondas de calor que antes
ocorriam
uma vez a cada 50 anos, agora provavelmente
ocorrem
4,8 vezes.
“Alguns
extremos de calor recentes observados na última década
teriam
sido extremamente improváveis de ocorrer sem a influência
humana
no sistema climático. As ondas de calor marinhas praticamente
dobraram
de frequência desde a década de 1980, e a influência
humana
muito provavelmente contribuiu para a maioria
delas
desde pelo menos 2006”, aponta o sumário para
tomadores
de decisões.
“É
muito bom que o documento seja publicado neste momento.
Tira
um pouco a responsabilidade da variabilidade natural climática
nos
eventos extremos e coloca que a chance é de 0 a 5% de que
eles
ocorressem se não fossem as ações
humanas.
Ajuda a cair a ficha”, reflete Thelma.
Ministério
do Interior da Alemanha/BMI
Ministro
do interior da Alemanha, Horst Seehofer, sobrevoa
regiões
afetadas pelas enchentes. O processo de aquecimento
vem
se acelerando: cada uma das últimas quatro décadas foi
sucessivamente
mais quente do que qualquer década anterior
desde
1850. A data é usada como referência por marcar o
início
da Revolução Industrial, quando a humanidade começou
a
queimar intensamente combustíveis fósseis, aumentando a
concentração
de gases de efeito estufa na atmosfera.
Estudos
de paleoclima revelam que a concentração de gases
de
efeito estufa na atmosfera é ainda mais impressionante.
A
quantidade de CO2 observada em 2019 era mais alta do que
a
que ocorreu em qualquer momento dos últimos 2 milhões de anos.
A
concentração de outros gases também importantes
para
o aquecimento do planeta, como metano e óxido nitroso,
era
a maior dos últimos 800 mil anos.
O
futuro cada vez mais próximo
No
ritmo atual, a expectativa é que a temperatura média do
planeta
chegue a 1,5ºC, ou até exceda esse limite, nos próximos
20
anos. A previsão aproxima dos dias atuais o limite de aquecimento
considerado
o mais seguro que deveria ser adiado para o fim do século.
Há
três anos, em um relatório especial, o IPCC havia comparado os
riscos
de um mundo 1,5ºC ou 2ºC mais quente. Os marcos são
mencionados
no Acordo de Paris, que definiu o compromisso de
195
nações do mundo a tentar limitar o aquecimento
a
menos de 2ºC até o fim do século, mas com esforços
para
ficar em até 1,5ºC.
No
documento de 2018, o IPCC mostrou que esse 0,5 grau é
suficiente
para aumentar os estragos e que, no ritmo atual, o 1,5ºC
seria
atingido entre 2030 e 2052. Passados três anos, o painel indica
que
a janela de tempo está se fechando.
Os
cientistas trabalham com cinco cenários diferentes
(do
mais otimista ao mais pessimista) para estimar como a temperatura
do
planeta pode reagir e quais outras mudanças no sistema climático
podem
ocorrer nas próximas décadas conforme a
quantidade
de emissões de gases de efeito estufa vamos ter.
No
mais otimista, as emissões de gases de efeito estufa começam
a
ser reduzidas já e chegam ao zero líquido por volta de 2050,
com
uma combinação de estratégias para ter emissões negativas
a
partir de então – como muitos países vêm prometendo
que
vão fazer, mas ainda não mostraram como. Somente
nesse
melhor cenário é possível estabilizar o aquecimento
em
cerca de 1,5ºC até o fim do século.
Há
um cenário intermediário, em que as emissões de CO2 se
mantêm
nos níveis atuais e começam a cair a partir de 2050.
E
dois cenários mais pessimistas, em que o nível de emissões
dobrar
em relação ao atual até 2100 ou, no pior caso, até 2050.
O
relatório deixa muito claro que cada tonelada de gás a mais
na
atmosfera vai tornar a nossa vida mais difícil. O mais dramático,
porém,
é que muitas das mudanças que estão em curso vão se
manter por um tempo, porque os gases que
aquecem o planeta
hoje
não se dissipam tão facilmente.
É
o caso, por exemplo, do aumento do nível do mar.
De
acordo com os cientistas, no longo prazo, ele vai continuar
subindo
por causa do aquecimento do oceano profundo
e
derretimento das calotas polares e deve permanecer
elevado
por milhares de anos. “Durante os próximos 2.000 anos,
o
nível médio global do mar aumentará cerca de
2
a 3 metros se o aquecimento for limitado a 1,5ºC, 2 a 6 metros
se
limitado a 2ºC e 19 a 22 metros com 5ºC de aquecimento”,
ressalta
o documento.
Boa
parte do aquecimento da superfície também já está
contratado.
“A temperatura global da superfície vai continuar
subindo
pelo menos até metade do século sob todos
os
cenários considerados. O aquecimento global de 1,5ºC e de 2ºC
será
superado no século 21 a menos que reduções profundas
das
emissões de CO2 e de outros gases ocorram nas próximas
décadas”,
destaca o relatório.
No
cenário intermediário, condizente com o rumo que a humanidade
está
tomando hoje, o aquecimento pode ser de até 3,5ºC.
No
pior cenário, a fornalha pode ser até 5,7ºC mais quente.
Importante
ressaltar que isso é na média. O que significa que
algumas
regiões vão ser muito mais quentes que outras,
como
indica o mapa abaixo. Ele mostra como fica cada
região
do planeta com um aquecimento médio de 1,5ºC,
na
comparação com o período de 1850 a 1900, de 2ºC e de 4ºC.
Um
Brasil ainda mais quente
“Observe
que num mundo 4ºC mais quente, o Brasil fica
com
um aquecimento de 5,5ºC. É para onde estamos indo
com
as emissões atuais. Imagine Cuiabá, que normalmente
chega
a 41ºC, batendo 47ºC. O mesmo em Teresina, Manaus”,
ressalta
Artaxo.
O
novo documento inova em trazer projeções mais regionalizadas
sobre
os impactos das mudanças climáticas e revela que a região
do
planeta denominada no relatório como Monção Sul-Americana,
que
engloba a porção sul da Amazônia – assim como
as
áreas de média latitude e as regiões do semi-árido –
devem
experimentar os maiores aumentos de temperatura
nos
dias mais quentes. Cerca de 1,5 a 2 vezes
a
taxa do aquecimento global.
O
número de dias por ano em que a temperatura na região pode
exceder
35ºC pode ser de mais de 150 dias até o final do século
no
pior cenário de emissões de gases de efeito estufa.
Essa
possibilidade cai para menos 60 dias ao ano no melhor cenário.
No
Ártico está previsto ocorrer o oposto. A região deve experimentar
os
maiores aumentos de temperatura nos dias mais frios. Cerca de 3 vezes
mais
que a taxa de aquecimento global.
É
muito provável que eventos de chuva intensa se intensifiquem
e
se tornem mais frequentes na maioria das regiões com aumento
da
temperatura. “Em escala global, projeta-se que eventos extremos
diários
de precipitação se intensifiquem em cerca de 7% para cada 1ºC
de
aquecimento global. A proporção de ciclones tropicais intensos
(categorias
4-5) e as velocidades máximas dos ventos dos ciclones
tropicais
mais intensos devem aumentar em escala global com o
aumento
do aquecimento global”, escrevem os cientistas no sumário
para
tomadores de decisão.
De
volta ao Brasil, num mundo 2ºC mais quente, é projetado um
aumento
das secas em áreas agrícolas e naturais na região do sul da Amazônia.
No
Nordeste, os cientistas apontam uma alta confiança de um aumento
Dominante
na duração da seca. No Sudeste, é projetado um aumento
da
intensidade da frequência e da intensidade de chuvas extremas
e
inundações a partir de um aquecimento global de 2ºC.
“Estamos
falando há 20 anos que a situação está periclitando,
que
o caldo está engrossando. É isso, ele já engrossou”, complementa
Artaxo.
Questionado
se considerava o tom desse relatório mais dramático
que
os anteriores, Artaxo deu uma risada amarga. “Dramático é um
adjetivo
que não combina com ciência”, explicou. “Mas é o relatório
mais
enfático em dizer que é inequívoco nosso impacto no clima
e
é enfático em dizer que precisamos reduzir emissões já. Agora.
Não
é na próxima década não.” Para ele, mesmo sem trazer
explicitamente
essa expressão, o relatório mostra que
o
“planeta entrou em estado de emergência”.
Não
é pessimismo. É um choque de realidade. Ainda dá
para
fazer algo a respeito –se não para zerar o problema,
ao
menos para torná-lo menos danoso. A esperança
é
que o relatório aumente a pressão sobre a Conferência
do
Clima da ONU, a COP-26, que será realizada em
novembro
em Glasgow (Escócia).
O
evento, atrasado em um ano por causa da pandemia,
tem
a expectativa de impulsionar o Acordo de Paris e acelerar
as
mudanças que possam zerar as emissões líquidas de gases
de
efeito estufa até 2050. O IPCC está dizendo que isso só vai
ser
alcançado se as emissões não só de CO2, mas também de
metano
(gás ligado principalmente à pecuária, o que aumenta
a
pressão sobre o Brasil) começarem a cair agora. Num ritmo
de
cerca de 7% ao ano.
“Em
2020, no início da pandemia, as emissões caíram 6,7%
quando
tudo foi fechado, teve lockdown, o transporte aéreo parou.
Imagine
que tem de ser assim pelos próximos 30 anos”, resume Artaxo.
Histórias
como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela
sociedade.
A gente investiga para que elas não fiquem escondidas
por
trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo
de
qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão.”
AGRADECIMENTOS: À equipe jornalística
do PUBLICA, por essa
maravilhosa
síntese e alerta dos riscos que já são do nosso conhecimento,
mas
ainda não entendidos pela maioria da nossa população,
e
principalmente por nossos políticos.
PREZADO LEITOR: Acompanhe,
divulgue, participe!
OBRIGADA
E PARABÉNS, GIOVANA GIRARDI!
Profa.
Tania Belfort
11
Agosto 2021
FONTE:
https://apublica.org/2021/08/relatorio-do-ipcc-comprova-o-aquecimento-global-ja-esta-aqui/